A sétima maravilha do mundo não deveria ser o Cristo Redentor, mas a vista da pedra onde o presente dos franceses foi colocado. Dito isso, sugiro que quem tiver o interesse de ver o Rio de Janeiro do alto junte dinheiro para um vôo de helicóptero que valerá mais a pena.
E se a vontade for descomunal de chegar perto da imagem do Cristo, faça a visita durante a semana, de preferência às quartas-feiras. Aos finais de semana e aos feriados, quando uma horda de visitantes procura este marco brasileiro, o programa se torna uma violência física e mental.
Estive com minha família no Cristo este final de semana. Minha mãe, marido, enteada (razão para o passeio) e bebê de 2 meses. Chegamos ao sopé de taxi na tentativa de subir de trem. Na entrada fomos avisados que o próximo trem disponível seria o das 20 horas, e eram apenas 16h. Pagamos então 20 reais por pessoa para subir de van até um ponto onde deveríamos comprar o ingresso para ir ao Cristo e subir com outra van, desta vez, do Ibama. Cada ingresso custaria 24 reais.
Na primeira van ficamos presos em um congestionamento causado por carros estacionados dos dois lados da estreita estrada e veículos que tentavam descer pelo caminho por onde subíamos. Vi dezenas de pessoas a pé e já fiquei preocupada. Descemos da van e seguimos com o bebê no colo só para deparamos com uma fila com no mínimo 500 pessoas. Subimos e descemos o aglomerado na tentativa de obter informações já que estávamos com um bebê. Fomos avisados que só aceitam dois adultos como prioridade e que minha mãe e minha enteada não poderiam passar na frente da fila. Um absurdo...
Meio que sem querer conseguimos entrar todos sem ter que esperar 2 horas.
Subimos até a base do Cristo e vimos a gigantesca fila para quem queria descer de trem e uma outra que dava voltas e mais voltas para quem queria pegar a van de retorno. Um vislumbre amedrontador do nosso futuro próximo.
Nos acotovelamos para chegar à fila do elevador (porque a escada estava lotada de pessoas agitadas) e subimos. Ao chegar lá em cima, com o sol se pondo, disputamos espaço com centenas de visitantes. Alguns deitados no chão tirando fotos, outros se debruçando nas laterais para ver melhor a paisagem. O Cristo se ascendeu em luz branca, todos aplaudiram e eu me perguntei : podemos ir embora? Tiramos algumas fotos ali, aqui e acolá e resolvemos começar a descida.
Primeira fila: o elevador.
Salvação: meu bebê nos colocou na frente e descemos rápido.
Segunda fila: van do Ibama. A fila descia pelo caminho em curvas e as pessoas aguardavam sem iluminação em uma estreita calçada. Senhoras, famílias com crianças de diversas idades... terrível imaginar o sofrimento e o cansaço.
Salvação:meu bebê nos colocou na frente e descemos rápido.
Terceira fila: para voltar com a van tivemos que subir no escuro pela estrada até a entrada de um suposto hotel. Com o bebê sendo carregado em um "canguru" vislumbramos uma gigantesca fila que descia a estrada por onde passavam poucos veículos.
Salvação:meu bebê nos colocou na frente e descemos rápido.
Pelo caminho vimos pessoas a pé, na escuridão, percorrendo a estrada que não tem acostamento. Algumas iam para os carros deixados no caminho horas e horas antes. Sem segurança, sem direcionamento e pagando caro.
O Cristo não chegou ao Brasil na semana passada, nem passou a receber visitantes há um mês. Feriados e finais de semana são bastante frequentes. Portanto, porque a Secretaria de Turismo do Rio não toma providências? Porque o Ministério da Cultura não age? É uma vergonha vivenciar a mais completa falta de estrutura na visitação de um monumento, símbolo do Brasil. E para não dizerem que reclamar é fácil, aqui vão simples sugestões para melhorar a vida de quem quer conhecer o Cristo Redentor:
Limitar o número diário de visitantes.
Proibir a subida de veículos particulares. (liberados apenas os moradores com selo específico)
Maior policiamento e agentes para dar informações.
Aumentar a frota de vans dos dois percursos.
Aumentar número de banheiros.
Possibilitar a compra de ingresso pela internet.
Possibilitar o agendamento da visita nos guichês e pela internet.
Se o respeito pelos turistas e visitantes não basta para fazer os governos municipal, estadual e federal agirem, é bom lembrar que vamos sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada. E se nada for feito talvez tenhamos que criar duas novas modalidades esportivas, a da resistência e a da paciência.
terça-feira, 28 de junho de 2011
sexta-feira, 17 de junho de 2011
Orgulho de irmã
Pode até parecer "puxa saquismo" mas hoje quero indicar o site da produtora de vídeos e filmes do meu irmão e seu sócio. Como jornalista tento sempre ser o mais imparcial possível, só que trabalho bem feito merece ser divulgado.
Não tenho culpa do rapaz ser muito bom...rs
No portifólio vocês poderão ver o que a dedicação e o comprometimento com a qualidade, a pureza e a poesia das situações fazem com o resultado do material. Vídeos lindos.
www.kanafilmes.com
Até a próxima.
Marina
Não tenho culpa do rapaz ser muito bom...rs
No portifólio vocês poderão ver o que a dedicação e o comprometimento com a qualidade, a pureza e a poesia das situações fazem com o resultado do material. Vídeos lindos.
www.kanafilmes.com
Até a próxima.
Marina
quinta-feira, 16 de junho de 2011
O idealismo do livre arbítrio
Logo na abertura do ato III, cena I, Hamlet proclama a frase mais famosa das obras de William Shakespeare: “Ser ou não ser – eis a questão”. Para o personagem “ser” era estar vivo e “não ser” representava a morte. Mas até hoje estas palavras são usadas em questionamentos mais filosóficos do que a intenção do seu primeiro interlocutor. Me apropriando desta simples dúvida existencial, eu pergunto: qual é a nossa autonomia em “ser”?
Quem é você? Quanto de você é de sua própria escolha e autoria? Temos a certeza de que somos assim ou assado porque nos constituímos desta forma durante a vida, mas há quem conteste. Veja só:
-Para os que acreditam na reencarnação tudo começa antes do nascimento onde você já é alguém e chega nesta vida com um karma e com propósitos x ou y.
-Na gestação, a cor da pele, dos olhos, dos cabelos, a altura, os futuros problemas de saúde, os já presentes problemas genéticos... tudo acontece pela hereditariedade dos pais deixando o recém chegado sem opções.
-Quando nasce está definido: se é libriano vai ser de um jeito, se é geminiano, de outro.
-O time ou esporte do coração são embutidos durante a infância pela família. O gosto musical segue a mesma linha.
-Se a família come com garfo e faca ou pauzinhos, se arrota na mesa ou é refinada e usa guardanapo de pano, se come de boca aberta ou de boca educadamente fechada... essa cultura do certo e do errado é quase impossível de quebrar depois de mais velho.
-Se a sociedade ao redor da pessoa mata recém nascidos se forem meninas, se a mulher é vista como segundo escalão, se encher de porrada os filhos é normal, se comer carne é proibido... o pobre coitado do ser humano recém chegado já está fadado a ver o mundo com estes estigmas.
-Somos regidos pelo instinto animal queiramos ou não. É possível controlar as grandes explosões de raiva, mas vamos sempre lutar pela sobrevivência, as mães vão ter a audição mais apurada por causa dos bebês, e alguns reflexos ao defender um ente amado são inevitáveis.
-Somos regidos pelo instinto animal queiramos ou não. É possível controlar as grandes explosões de raiva, mas vamos sempre lutar pela sobrevivência, as mães vão ter a audição mais apurada por causa dos bebês, e alguns reflexos ao defender um ente amado são inevitáveis.
Posso dar mais alguns exemplos mas acho que já ficou claro onde quero chegar. Somos individualmente fruto de pré-definições. E aquele que está revoltado pensando que isto é um absurdo, que tem todo o controle sobre suas escolhas, cuidado. Você é o que é pelo que viveu e como chegou até aí. E só chegou aí pelos meios que a vida e a genética os deram.
Sim,é óbvio, nós genuinamente pensamos por nós mesmos ( em alguns momentos ), há pessoas que quebram paradigmas de sociedades, pessoas além de seu tempo, ovelhas negras entre a maioria. Só vale realizar que em boa parte do tempo somos fruto de uma grande falta de livre arbítrio. Ainda bem que gosto de quem sou e de como sou, mas para quem quer se reinventar... boa sorte.
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Entrevista com MÁRIO SÉRGIO CORTELLA - filósofo (11/2010)
MÁRIO SÉRGIO CORTELLA
-"Nunca antes na história deste país..."
Ela é bastante coerente em várias coisas, ela é deliciosa, porque ela expressa antes de mais nada, o entusiasmo de alguém que projetou um dia na sua história, a possibilidade de fazer várias das coisas que fez e acabou sem dúvida realizando ali, com orgulho, um projeto. Claro que a frase, quando ela passou a ser repetida em excesso se tornou mais que um bordão, algo que se tornou engraçado. Mas de fato ela guarda, uma semelhança muito forte com a realidade né? Há muitas coisas que nunca na história deste país, nós havíamos conseguido, e nisso o presidente pode de fato se orgulhar. Nem tudo do jeito que ele colocou, mas também nada de tudo como vários acharam que não era.
-Orgulho
Eu me orgulho imensamente de uma condição de ter colocado a nossa capacidade de olhar o futuro, de uma maneira diferente do que se tinha antes, é claro, que essa não é uma obra exclusiva do governo Lula, mas ela resulta sem dúvida da democracia brasileira que, ao se inaugurar de fato, de maneira mais direta com a eleição em 1989, ela teve uma sequência inédita na nossa história no bom sentido, imaginar que nós tivemos por exemplo em 1994, uma eleição que pôde levar, quase que ao segundo turno de fato, dois homens de bem, como Fernando Henrique e Lula, e depois de novo, quando a eleição vai se fazer no segundo mandado do Fernando Henrique, a possibilidade de se fazer a primeira eleição do Lula e a posse dele em 2003 e depois de novo em 2010 e por mais que se possa supor que havia um confronto de posturas essa é uma obra que também é do Lula junto com outros grupos que não estão hoje no poder, mas que consolidaram uma coisa muito bonita na nossa história um dia. Stefans Vaigh, que é um austríaco, que escreveu um livro chamado " Brasil, o país do futuro", está certo que ele se suicidou no Brasil, na cidade de Petrópolis em 1943, mas ainda assim, aquilo que Stefans Vaigh escreveu no livro e que gerou depois uma série de histórias, de fato se cumpriu com muita força, a partir dos anos de 1990. Lula faz parte muito bem dessa história, e isso pra mim é uma alegria grande, porque ela expressa a condição de nós imaginarmos, que somos capazes e sendo capazes podemos fazê-lo e podendo fazer, nós devemos fazer se não, não é decente.
-Legado
O grande legado do governo Lula junto com a autoestima, é a capacidade de proteger a democracia, com todas as turbulências que aconteceram nesse processo, em nenhum momento nos últimos quinze anos, nosso país teve a sua democracia abalada. Nós somos um país, aliás, um dos poucos, em que o equilíbrio dos três poderes, de fato ele é forte. Aquele grande sonho do poder tripartite, executivo, legislativo e judiciário, ele nos últimos quinze anos, ele tem uma força muito grande, mesmo no início do governo do Fernando Henrique Cardoso, quando ainda havia uma transição, porque seria de fato, um primeiro mandado que um presidente ia terminar, depois de eleito, ele trouxe uma grande consequência positiva, que Lula soube proteger. Isto é essa herança, de todo um processo de construção de uma democracia que foi protegida com o executivo funcionando no seu modo, com o legislativo tendo, como é usual na democracia seus tempos e contratempos, com o judiciário, as vezes tendo holofotes sobre ele, mas também fazendo julgamentos que até irritavam pessoas dentro do poder, isso é aquilo que traz uma beleza infinda e é isso que indica futuro.
-Ponto negativo
Acho que nós avançamos pouco ainda na distribuição da riqueza social, embora oito anos né? Ele seja um tempo curto até recuperar a trajetória extremamente negativa, como nós saímos do Brasil, de uma indigência muito forte, os últimos vinte anos, englobando parte do governo Itamar, parte do governo Fernando Henrique na sua totalidade de oito anos e depois o Lula, nós saímos dessa indigência no que se refere a distribuição da escolaridade, a distribuição do lazer, distribuição do acesso a um consumo mais sofisticado, mas ainda assim, o que se poderia ter feito, ele significaria um avanço mais significativo na distribuição de renda. Acho que em grande parte isso se deveu, a necessidade de um ajuste das forças que compuseram o governo. Quer dizer, o poder, ele não é apenas o que se faz apenas pela vontade do governante, ela ajuda, mas não é suficiente, e algumas elites brasileiras, elas bloquearam né? Uma parcela desse processo mormente no que se refere a algumas coisas ligadas a educação em relação a extensão né? Do valor, percentual do PIB, do produto interno bruto, aplicada na área educacional, que em grande parte, dependeria de uma reforma tributária que alcançasse também as grandes fortunas, então, isso pra mim é um ponto negativo. Eu estou entendendo negativo como aquilo que não foi feito e poderia ter sido avançado, não foi um ponto ruim, é aquele que ficou em débito, esse eu acho que foi um deles.
-O presidente Lula mexeu com você?
Eu acho muito bonito, quando alguém que é chamado pelo apelido, e um apelido até emanado, meio do operariado, do operariado brasileiro dos anos 60, alguém chamado Lula, e que depois será chamado de presidente Lula, porque uma coisa ia ser chamá-lo de presidente Luiz Inácio, ou dar a ele um outro tom. Nós somos muito informais no Brasil, e temos o costume de chamar as pessoas pelo primeiro nome, chamar de Mário, em vez de Cortella, e assim por diante. Nos Estados Unidos também se faz isso, chamava Bill Clinton, mas se falava presidente Clinton, ninguém dizia presidente Bill. Se você observar outros povos que fazem a utilização de apelidos em relação aos seus governantes máximos, não deixam de utilizar o último nome. E aqui, o Lula, o Lula, o Lula...antes o FHC, essa informalidade, ela ao cair no colo do Lula foi absolutamente verdadeira e sincera, porque ele sempre teve esse estilo, estilo esse que em um primeiro momento, ele teve um ar meio negativo, porque ao entrar na presidência e ele chamar a si a atenção por vários instantes de que ele era alguém que não tinha estudado, não tinha passado pela escola, mas tinha chegado onde chegou, isso teve um impacto ruim entre as crianças, depois ele corrigiu isso, porque ele tava passando uma mensagem de que alguém não precisa estudar, porque chega onde chegou e não é verdade. Ele precisou alterar o que disse e começou a dizer: Eu não pude estudar, e quereria tê-lo feito, ainda assim, eu que não pude ao chegar aqui, quererei que outros estudem. Isso me emocionou. Esta foi a grande emoção. Foi ter inclusive a humildade de corrigir a rota, invés de indicar o orgulho, pela ausência de escolaridade, indicar essa ausência de escolaridade, como uma real lacuna e como uma injustiça social que deveria ser sanada, isso sim, aí é um salto bastante forte.
-Legado para Dilma
Ela pega um Brasil que está em decolagem, em relação a posição econômica, a possibilidade de repartição da riqueza, a possibilidade de agregar...um novo grupo de consumo na sociedade de produção, mas ela pega também um Brasil num cenário internacional, no qual os confrontos serão cada vez mais significativos, porque se nós tivemos a primeira grande encrenca em 2008 em relação a quebra de mercados, apoiados nos Estados Unidos, da América do Norte, o próximo confronto será de natureza cambial, em relação a valorização e desvalorização das moedas, isso terá um efeito forte dentro do nosso país, portanto ela não terá, as grandes vantagens que o Lula teve no primeiro mandato, que foi de fato, ao pegar parte da estrutura montada pelo governo do Fernando Henrique Cardoso e poder levá-la de forma melhor adiante. E menos ainda o sossego, entre aspas, que o Lula teve no segundo mandato, ao ter acertado em cheio em relação ao que fazer na crise de 2008.Porque quando o Lula nota com o seu grupo, que a crise era de crédito, e ele inunda o mercado brasileiro com crédito público, quase que retomando as medidas do Roosevelt, nos Estados Unidos, nos anos 30, isso vai ter um impacto forte na nossa sociedade. Dilma não terá bem essa condição, nós estamos sim na iminência de uma dificuldade maior no campo da economia internacional, talvez a China tenha batido no teto, não é a minha área, mas por leitura, a China tenha batido no teto, em relação a consumo de matéria prima que nós exportamos em grande quantidade e ela não terá a mesma tranquilidade mas ao contrário até do que alguns imaginam, e se dizia que ela não tinha experiência para disputar a eleição.
Mas ela não estava sendo eleita para ser candidata, quando você diz que alguém não tem experiência para disputar uma eleição, se ele passa pela experiência e é eleito, ele não vai mais ser candidato, ela estava sendo eleita para ser uma gestora, e isso ela já era. Seja como ministra, seja com experiências anteriores em governos estaduais, portanto, esse exercício ela desenvolverá. E claro, a grande, a grande alegria de imaginar que ela será em 510 anos de história, a primeira presidente, nem estou falando que ela é mulher, estou falando da primeira presidente, no caso o primeiro presidente no termo genérico, que receberá o poder de um presidente eleito, que terminou o mandato que também recebeu o governo de um presidente eleito que terminou um mandato. Nunca na nossa história, para usar uma frase clássica, nós tivemos 3 presidentes em sequência que um passou o mandato para o outro sem interrupção. E isso, em 510 anos de história. Outros países nem notariam isso, porque é meio óbvio, para nós não. 510 anos de Brasil, Dilma recebeu de um presidente eleito o seu poder, e este, que foi o Lula, recebeu também de um presidente eleito que foi o FHC, 3 em sequência, é muito bom.
- Aprovação de 80%
A gente precisa lembrar que Lula foi um homem do povo, no sentido popular do termo. Ele não é mais um homem do povo seja do ponto de vista de renda, seja pela condição de vida, isso não é um demérito, ele o fez com a sua carreira e trajetória. Mas quando se diz que Lula é um homem do povo talvez a gente queira dizer que Lula é um homem que, tendo vindo do povo ou do povão, ele entende o que é, ele participa, ele não carrega uma arrogância que uns e outros carregam. E isso ajuda muito à essa convivência. Essa grande popularidade que ele tem se origina do fato das pessoas de fato concretamente.. olha só, de fato as pessoas de fato concretamente, então é o real, elas terem encontrado nele uma alternativa de vida para a escolaridade dos seus filhos, para a possibilidade de ter um salário maior, houve um crescimento do emprego no Brasil, a gente tem algumas capitais hoje que têm pleno emprego que era uma coisa do Japão até os anos 1990. A gente tem a possibilidade das pessoas terem acesso a bens de consumo... claro que isso não é o paraíso mas é evidente que o que Lula fez e é isso que gerou nele essa grande expectativa, é ele ter anunciado um horizonte. Quase que dizendo, gente, pode ser assim! Vamos fazer e vamos sustentar desse modo. Não é uma obra individual, mas é uma obra que tem nele um grande mérito. É porque ele foi o condutor disso. Maquiavel um dia escreveu, e eu não estou dizendo que isso é maquiavélico, só estou citando o autor, escreveu lá no século XVI,que o príncipe, o condottiere, o gestor, o líder, é aquele que consegue juntar duas coisas, a virtu e a fortuna, isto é, a capacidade com a ocasião. E Lula conseguiu, pegando uma economia estruturada também no governo FHC e portanto um momento de decolagem nas nossas condições de sustentação, ele juntou a capacidade dele de articular, de agregar as elites, de fazer o discurso compreensível, e especialmente de falar por metáforas, e ao fazê-lo e trabalhando com parábolas, ele aproximou muito a compreensão das pessoas em relação ao exercício da presidência. E por isso eu não acho que agente vai ficar órfão, mas nós, sem dúvida,... como aconteceu sem fazer comparação lado a lado, em relação ao papa João Paulo II, que era uma simpatia, que convivia, que viajava, que esquiava, e que na modificação a gente sente saudade, então desse tipo de Lula, desse tipo de presidência, diferentemente de presidentes anteriores que muitas vezes eram um pouco mais sisudos, mais reservados, esse jeitão povão do Lula, a gente sem dúvida vai ter saudade. Agora, a herança que ele deixa, segue a presidente, não do mesmo modo, porque não é uma clonagem, mas sem dúvida, como uma grande herança.
-Citação marcante
Eu acho que há um conjunto de situações ... acho que ele exagerava um pouco ao fazer isso em excesso em relação ao futebol. Todas as horas eram metáforas futebolísticas, e o fato de ele torcer para um time que é o Corinthians, que nem sempre era o mais adequado para indicar o sucesso de todas as metáforas, talvez, em algum momento ele devesse ter trabalhado um outro tipo de situação para não cair nisso. Mas claro, até isso indicava a popularidade que ele trazia. O que eu tenho não é nenhuma das citações ou frases específicas que ele carregava, uma ou outra eram anedotárias e a gente ri lembrando delas até hoje como quando ele diz “Minha mãe que nasceu analfabeta” que é uma coisa que é uma figura de linguagem e até se tornou simpática quando a gente ouve, porque é uma coisa tão evidente, ainda sim, ao falar, ele não demonstrava uma tolice, ao contrário, ela se torna uma tolice, quando a gente olha depois. Qualquer um de nós em discursos faz esse tipo de coisa, mas ele teve várias coisas que foram muito emocionantes, o modo dele se referir à mãe, a idéia da família, a lealdade dele a homens e mulheres que o ajudaram na vida. O fato dele durante a ditadura militar ter deixado em vários momentos, de ter a sua liberdade exercida, e ele não perder essas conexões é algo que marca. Agora, não há nenhuma frase exclusiva que eu tenha guardado, exceto essas que ele fazia em relação ao Corinthians.
-Como fica Lula para a história
O Lula entra de uma maneira muito forte na nossa trajetória dos inícios do século XXI, nessa datação que usamos, como alguém que consegue colocar o Brasil numa rota que a gente tinha estado num determinado momento nos anos 1940 quando da industrialização brasileira, as companhias siderúrgicas, o sistema de transporte, as telecomunicações e isso voltou novamente no início dos anos 2000. Primeiro com o próprio FHC e depois com o Lula em relação à isso. É impossível desvincular um novo Brasil de fato, diferente e para melhor do que era sem que a gente pense na figura do Lula. Ademais ele tem algo absolutamente inédito, ou seja, ele faz alguém que o sucede, levando a política na qual ele acreditava e implantou, isso não é algo usual na nossa trajetória, inclusive mais do que não usual, é inédito. Nós não tivermos isso, portanto em princípio, não é que nós vamos ter com Dilma 12 anos do governo Lula, mas 12 anos com princípios que Lula teve e que Dilma em princípio, também partilhava. Deste ponto de vista esta situação e circunstância na nossa trajetória vai fazer com que o Lula seja bem lembrado. Algumas pessoas poderão mal lembrar dele, o que ninguém ficará, ninguém, é indiferente.
Entrevista com RICARDO KOTSCHO - jornalista (11/2010)
RICARDO KOTSCHO
-O Lula mudou nos oito anos de governo?
Ele na vida familiar, com os amigos, fora do governo foi o que menos mudou depois que chegou ao governo, muitos amigos mudaram muito mais do que ele. Ele faz as mesmas brincadeiras, as mesmas sacanagens, come as mesmas coisas. O que mudou é que antes era meio relaxado para se vestir. Quando o conheci era líder sindical, usava camiseta, e na presidência virou um cara chique e começou a cuidar da elegância dos outros, pegava no meu pé porque não sou um cara que se veste bem. Ficava reparando nas coisas, como vai usar um sapato marrom e cinto preto? Como vai trabalhar comigo desse jeito? E às vezes, em uma viagem internacional... quando a viagem era no sábado ou no domingo eu não punha terno e gravata, não gosto, nunca gostei, e no governo era obrigado.Ele pegava no pé e fazia essas brincadeiras. Agora, recentemente, o governo lançou um livro sobre a história dos secretários de imprensa, era uns 20.. eu era um dos mais jovens, imagine os outros .. e aí foi um livro, um livro enorme que lançaram no Palácio do Planalto, convidaram todo mundo, o Lula entregou para cada um esse livro. Quando chegou a minha vez lá ele cochichou no meu ouvido “pô, você reparou que é único que está sem paletó e gravata?”. Então o que eu acho que mudou é esse negócio de se preocupar com a aparência, com a elegância.
-Mudança nos ideais?
Olha, o Lula tinha uma obsessão desde a primeira campanha dele, trabalhei na campanha de 89, 94 e depois 2002, eu não aguentava mais ouvir aquilo em todos os discursos, todos os comícios, de garantir 3 refeições por dia para todos os brasileiros, 3 pratos de comida, aquele negócio todo. Era essa obsessão com a questão da fome, que para nós, de classe média em São Paulo, não entende muito isso, mas eu fui lá onde ele nasceu, conheci toda a família dele em 89 que ainda tinha muita gente morando lá em Caetés e realmente era uma vida muito difícil. Então não era uma questão de demagogia de político, de discurso, era uma coisa mesmo sentida. Eu conversei com ele agora nos últimos dias para fazer um balanço dos últimos dias e esse principal objetivo foi atingido. Hoje você não tem mais aquela miséria absoluta que tinha no Brasil. Mais de 10, 15 milhões que não comiam e passaram a comer, e uma nova classe média de mais de 20 milhões que passou a consumir. E conversando com ele sobre isso, nem nas melhores expectativas nossas, e dele, poderíamos imaginar esse resultado ao final dos oito anos. Então eu senti acompanhando o dia inteiro de viagem dele que está muito feliz com isso, mas muito emotivo porque percebeu que faltam poucos dias para ele sair de lá. Ninguém podia imaginar quando o conheci há 30 anos, que ele chegasse à Presidência da República, primeiro porque era líder sindical em São Bernardo... e também que o Brasil fosse mudar tanto nesses dois governos do Lula.
-Transição e futuro
Eu passei aquele feriado de finados lá com ele no Alvorada, a Dona Marisa, só a gente e um casal de amigos, e eles falaram muito disso, como ia ser a vida deles daqui pra frente. Ele não quer fazer planos, ele quer descansar uns 3, 4 meses. Eu duvido, mas enfim... ele diz que depois ele vai ver o que vai fazer. Não quer assumir nenhum compromisso com ninguém, antes de refletir sobre o que aconteceu. Foi tudo tão rápido e corrido, que você não tem tempo de pensar, de entender o que aconteceu, “primeiro eu quero entender o que aconteceu, depois eu vou ver o que vou fazer”. Ele sempre foi um cara assim na vida, ele nunca foi de determinar o que ia fazer... certamente ele vai se dedicar a levar para outros países as políticas públicas que dão certo no Brasil, essa é uma idéia geral, agora como fazer isso e quando fazer isso, ele não tem a menor idéia. A única certeza que ele tem é que vai voltar para o apartamento que ele tem em São Bernardo. A dona Marisa tá lá arrumando... até porque ficaram 8 anos fora... depois ele vai ver o que vai fazer. Você lê na imprensa... que ele está procurando apartamento para morar em São Paulo, eu levei um susto porque eles nunca falaram sobre isso, ontem no jornal eu li uma tese de porque que o Lula tinha que sair de São Bernardo, porque ele ficou grande demais para lá e tem que ir para São Paulo, umas coisas... não tem nada a ver com a realidade que você conhece dali de dentro e aquilo que sai na imprensa. Isso ele falou com todas as letras: “ a minha vida é muito simples, eu não preciso de muita coisa”. Ahh, e ele disse que precisa desencanar da presidência e voltar a ser o que era exatamente e levar a vida que levava antes de ser presidente.
-Você entendeu o que aconteceu com o país nas mãos do Lula?
Não. Eu trabalhei nos dois primeiros anos,2003 e 2004, e era tudo muito difícil, tudo novidade para mim, a maioria, a começar pelo presidente, os ministros e eu mesmo, a gente não conhecia governo, o poder, como é que funciona, levou um tempo para entender. E o primeiro mandato dele, ao contrário do que normalmente acontece, foi muito difícil, teve crises, e no segundo a coisa começou a andar e melhorar como mostram os índices de aprovação dele. Eu acho que foi isso, o primeiro mandato foi um aprendizado...
O Brasil mudou de mão depois de 500 anos que sempre esteve no poder das mesmas famílias, civis ou militares, mas eram da mesma origem, e em 2003 o poder mudou no Brasil. Nos primeiros 4 anos eu imagino, porque fiquei só dois, que foi muito difícil, muito sofrido, e no segundo governo a coisa começou a dar certo e colher os frutos principalmente na área social e econômica.
-Ápice do governo
Eu acho que a marca do governo que vai ficar, daqui a 50 anos, 100 anos, é que se iniciou um sistema de distribuição de renda no Brasil, o Brasil sempre foi governado por poucos, 30 milhões, hoje somos quase 190 milhões... isso na própria avaliação dele é que o grande marco que mudou o Brasil foi a inclusão social. Se fala muito em Bolsa família, não é só isso. Eu notei isso na viagem que eu fiz para o Nordeste, fiquei 15 dias fazendo uma reportagem, a mudança lá você percebe a olho nu, olhando as coisas você vê, mas mais do que isso, as pessoas mudaram, recuperaram a auto estima, o orgulho da terra. Isso você nota mais no nordeste mas que sente no Brasil inteiro. O brasileiro voltou a ter orgulho de ser brasileiro. Acho que isso é uma coisa que não dá para medir em números, mas é uma coisa que vai ficar.
- Ponto negativo
Engraçado, você está perguntando o que eu perguntei para ele...Quando começou o governo ele repetiu várias vezes para a equipe, antes e depois da posse, que a situação econômica tava difícil, e que a gente só não podia errar na política. O país estava em grandes dificuldades...E curiosamente o Brasil se deu bem na economia e isso se refletiu no social, e teve crises políticas sérias. Mas o que ficou no final é um país melhor. Acho que qualquer governo quando assume, qual é o objetivo central? É melhorar o país, melhorar a vida da população e tenho certeza, porque como repórter, saí há 6 anos do governo, viajei muito pelo Brasil, que as pessoas hoje se sentem mais felizes, vivem melhor. Acho que essa é a principal conquista e é motivo de satisfação íntima, ele sente isso.
-Pode-se usar o termo Lulismo?
Não. Ele nunca incentivou essas coisas... havia manifestações assim de pessoas que abraçavam, ficavam comovidas em chegar perto, ele sempre foi um cara muito simples, tanto que ninguém chama ele de senhor, todo mundo chama ele de Lula. O Lula. Hoje eu fui num restaurante chique aqui de SP, e o velho maitre que eu conheço há muitos anos chegou para mim e disse “e o nosso Lulinha hein? Como é que está?” Eu acho que ele era o Lula e continua sendo no final do governo o mesmo cara. Para as pessoas, para a população, para os amigos... você vê jogador de futebol, fica famoso, ganha dinheiro, e fica outra pessoa, é difícil. No caso dele não aconteceu isso. Mas até entender o que aconteceu eu acho que 3 meses é pouco. Acho que só no futuro, historiadores e pesquisadores poderão explicar essa figura única, não conheço uma história parecida com a dele, de ver de onde saiu e onde chegou, essa trajetória acho que é única, e se para nós é difícil explicar, para ele é difícil entender
-Lula é teimoso?
Eu acho que ele só chegou onde chegou e fez o que fez porque é teimoso. Ele bota um negócio na cabeça e vai até o fim. Não adianta falar “isso não vai dar certo” “é melhor tomar cuidado..” A gente brigava muito...eu falava, esse negócio que você falou no discurso vai pegar mal na imprensa, você vai ver... E ele “você entende muito de política né? Quantos votos você teve na última eleição?”... aí eu não tinha muitos argumentos né? Eu conto isso porque é engraçado, por muito anos se procurou saber quem estava por trás do Lula, quem era o cara que fazia a cabeça dele, e hoje eu tenho certeza que para minha geração ele é que fez a cabeça, ninguém fez a cabeça dele. Ele já veio assim, lá do nordeste com essa teimosia do nordestino mesmo, essa determinação.
-Como ele fica para a história?
Muita gente viu o presidente do Ibope, que aliás não tem acertado muitas previsões, já refletiu várias vezes nas pesquisas que tem feito, ele vai ficar como o melhor presidente da história. Eu sou suspeito pela amizade, e nem falo porque se não ele fica mascarado, mas ele foi um divisor de água na história. Antes era uma país para 30 milhões e hoje é um país de todos que era o lema do governo desde o início, todos se sentem brasileiros participando, consumindo, vivendo... eu acho que se a gente comparar o país de hoje com o de 2003, com todos os indicadores econômicos, sociais... mostram o país melhorou, todos. Mas tem uma coisa que não dá para medir, que não são números, que é esse sentimento de gostar do nosso país.
- Relação Lula e a imprensa
Essa sempre foi complicada, do primeiro ao último dia. Eu tentei, no pouco tempo que fiquei lá, e depois porque continuamos amigos, conversando toda semana, de tentar o diálogo com os donos da mídia que não são tantos. Eu sempre fui a favor da conversa, a verdade é que os resultados alcançados nunca aconteceram. Quando me perguntaram como está a vida em Brasília eu disse, eu só tenho dois problemas: o governo e a imprensa. Que desde o começo havia divergências, desconfianças e eu dou razão para os dois lados, é coisa meio de mineiro. Eu acho que o Lula tinha todas as razões do mundo para se queixar da imprensa porque ela sacaneava para caramba e os meus colegas queriam mais entrevistas, mais acesso ao Lula e ficou esse jogo o tempo que atravessou os 8 anos. O que é um milagre, porque apanhar da mídia durante 8 anos, com praticamente toda a mídia do país contra e chegar ao fim do 80% de aprovação é um coisa que eu também não sei explicar. Mas foi complicado, no meu período e depois no do Franklin que é um profissional muito mais capacitado do que eu, porque além de jornalista é político, tem cabeça política e acabou se tornando um grande conselheiro do presidente. Mas eu acho que nesse campo terminou como começou, imprensa de um lado e governo de outro.Sem acordo.
- Lula e prêmios
Desde o começo do governo e muito mais no final, o presidente recebeu dezenas de títulos de doutor honoris causa, que as universidades aqui no Brasil e fora, concederam para ele. Eu não sei porque ele nunca foi receber nenhum, essas coisas que ele acha que é frescura, ele falou que depois que terminar o governo vai ter muito tempo para receber, mas se ele for receber todos ele vai ficar um bom tempo viajando pelo mundo e aí finalmente vai virar Dr. Lula.
-Nunca antes...
Eu tenho um pouco de culpa nisso, nem sei se o Lula vai lembrar, mas usei isso aí pela primeira vez , nunca antes na história deste país, no primeiro grande comício das diretas em 84 na praça da Sé em São Paulo. Realmente foi uma coisa maravilhosa, você vê o povo todo na rua, bandeiras, uma festa muito grande e tal, e aí tocou o hino nacional e foi uma coisa emocionante. Eu abri a matéria com um trecho do hino nacional e dizendo isso: “nunca antes na história deste país se viu cenas parecidas com isso”. E depois em um discurso que foi preparado para uma eventual vitória dele no primeiro turno em 2002, havia chance dele ganhar no primeiro turno, por uma pequena diferença ele acabou indo para o segundo, ninguém pensou antes em deixar uma coisa escrita, e se ele ganhar.. não tinha nada... aí à tarde, no dia da eleição, a gente sentou lá e rabiscou algumas coisas e eu aproveitei e enfiei lá essa frase de novo..... e realmente o que foi acontecendo depois no governo acabou confirmando aquilo, virou um cacoete, um bordão, mas um bordão só funciona se estiver calcado na realidade, se não é uma bobagem e foi o que aconteceu.
- Momento mais emocionante
O que ficou marcado para mim foi a posse. Depois aconteceram várias outras coisas, sempre que o Lula encontra o povo acontecem coisas fantásticas... foi o dia da posse, acho que todo mundo que estava lá se sentiu também vitorioso. Aquela multidão de gente festejando na rua, a gente não esperava isso, torcia para isso, trabalhava para isso, mas não imaginava como ia ser no dia, na hora... Até uma história que o chefe da segurança que está com ele até hoje, que era o coronel Gonçalves Dias e agora é general, o primeiro dia de trabalho com o presidente foi sair da Granja do Torto e ir para a Esplanada dos Ministérios e o Lula queria abrir a janela, porque tinha um monte de gente no caminho. Aí o coronel explicou que não podia pelas regras da segurança, e eu acho que era um carro blindado, acho que nem abria o vidro. Aí ele ficou chateado com isso, é teimoso... aí disse “em um lugar com muita gente, já que o vidro não abre, vamos parar”. Ele chegou atrasado na esplanada por causa disso. E uma coisa engraçada que depois a Marisa me contou também é que na hora do comboio, é comboio que chama aquela coisa presidencial, sair da Granja do Torto, ninguém lembrou de onde deixar a cachorra deles. E a cachorra? Todo mundo saiu para ir para a posse. Eu não sei como foi resolvido o problema mas acabaram dando um jeito. São essas coisas da vida real que não aparece na vida pública, mas você estando junto e vendo e convivendo, é uma lembrança boa.
- Você lembra das primeiras palavras dele no dia da vitória em 2002?
Eu lembro muito bem, tava num hotel... que estavam umas pessoas do partido e os parentes dele, era umas duas ou três da tarde, minha filha que trabalha na televisão, me ligou e falou, “ó pai você não pode divulgar isso, mas eu estou aqui do lado do Montenegro e tenho a prévia da boca de urna e o Lula tá eleito.” Aí eu fui contar, ele tava reunido com o Zé Dirceu, o Mercadante, Gilberto Carvalho, a turma da campanha, e eu achando que ia contar uma puta duma novidade, e interrompi a reunião e falei “ó Lula, acabei de falar com a minha filha, você tá eleito”. Ele olhou e falou “que grande novidade, só você que sabia disso”. Porque a gente sabia pelas pesquisas todas e tal. Aí quando chega a hora de anunciar na televisão ao vivo, cinco e pouco da tarde eles continuavam reunidos conversando, aí eu falei, porra vocês não querem ver? Aí a muito custo e má vontade foi todo mundo para frente da televisão, já estavam os filhos, a dona Marisa tal, aí apareceu a minha filha Mariana ao lado do Montenegro e falou: “vamos saber agora o resultado da boca de urna, e o Montenegro falou que o Lula tava eleito. Ele não teve reação nenhuma, a única coisa que ele falou para a minha mulher que estava do lado “é... a Mariana tá com jeito de grávida mesmo”. Porque a minha filha estava grávida e ele só reparou nisso aí. Eu dei um tapa nas costas dele e falei “Pô Lula nós ganhamos a eleição”.
-Viagens
Só naquele período do começo de governo que eu trabalhei, nós fomos para 26 países, e chamava a atenção como ele era recebido na África, nos países pequenos e mais pobres da África, festa, pessoal dançando na rua. Aí eu brincava “você está com mais prestígio aqui do que no Brasil”. Mas depois uma coisa que me marcou muito, ele recebeu um prêmio qualquer, numa cidade da Espanha, não me lembro qual, e terminou tarde a cerimônia e tinha um monte de gente na rua gritando o nome dele. Isso é uma coisa que no Brasil é comum, mas não no interior da Espanha.
A gente brincava muito no avião. Era hora de relaxar. Em público tem que tomar cuidado o tempo todo, aí quando entrava no avião ele relaxava, aí a gente brincava muito. O presidente Lula, eu não sei como, mas ele dorme muito pouco, e fala o tempo inteiro, só que nessas viagens aí eu ficava cansado, eu e as pessoas normais ficam e querem dormir, aí ele resolvia jogar baralho, e eu não aguentava, ia lá para trás no fundão e ia dormir e ele ia lá dava um tapa na cabeça e falava “ pô só pensa em dormir, vamos jogar um baralhinho”.
Isso aí, sabe uma coisa que ele falava, porque a primeira reunião internacional, não lembro a data direito, a primeira reunião do G8 onde estavam os 8 homens mais importantes do mundo, ele foi meio ressabiado, foi como convidado e depois disse... “mas chegando lá conversando com um e com outro descobri que nós temos um grande país, eu não devo nada para eles, eles não devem nada para mim, então resolvi tratar igual”.
Agora me lembrei de uma história do começo do governo, logo nas primeiras viagens internacionais, e aí ele passou realmente a tratar pelo primeiro nome como se fosse amigo íntimo de muito tempo. Numa das primeiras viagens internacionais a gente foi para a França, Jacques Chirac era o presidente e tem aquela tradicional cerimônia de imprensa, eles tem um encontro reservado, aí cada um fala um pouco e depois responde perguntas, e enquanto o Chirac tava falando ele me chamou, fez um sinal que eu tava lá com o pessoal da imprensa, ele chegou e me falou assim “ dá uma olhada ali no fundo do salão, tá vendo aquela mulher de chapéu verde?” eu falei que sim “já viu mulher mais feia na tua vida??”...rs Nesses momentos solenes, de tensão e tal, dá uma quebrada dessa... o problema foi quando eu voltei para o grupo de jornalistas e eles queriam saber o quê que o presidente tinha falado, “ah um negócio de governo...”
Depois teve uma no interior do México, dos povos americanos, tem reunião de todos os tipos, toda hora, não sei como ele agüenta..... aí acabou a reunião, eles abrem as portas e entram os assessores e ele continuava falando com o Bush num canto, só os dois. Era estranho porque não tinha intérprete, não tinha nada, e os dois falavam riam, pô mas em que língua?? Aí chegou no avião e eu perguntei, como é que você estava se entendendo ?? Aí ele falou “você é ignorante pra caramba... você sabe que o Bush é do Texas? O Texas fica do lado do México, ele antes de ser presidente dos EUA o único país que ele conhecia era o México, então ele fala um pouco de espanhol, eu falo português, um pouco de espanhol então dá para conversar”. Aí eu quis saber o que eles tinham conversado que riam tanto, aí ele falou “isso eu não posso dizer, isso é conversa de chefe de estado...” rs
domingo, 12 de junho de 2011
"Ave Cesare" no país do "oba oba"
A decisão do Supremo Tribunal Federal em não extraditar e depois em soltar o terrorista Cesare Battisti, atesta mais uma vez que o Brasil continua a ser o país do "oba oba". Alheio à repercussão internacional e da própria imprensa brasileira, o ministro das relações exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o caso está encerrado.
O caso me lembrou que somos um país que historicamente dá asilo a criminosos e terroristas internacionais. Recentemente assisti a um episódio da série "Caçadores de Nazistas na América Latina", que passa no Discovery Channel, e tomei conhecimento de que, em 1978, o mesmo STF, apenas com diferentes juízes, não permitiu a extradição de um caniceiro nazista, responsável por 800 mil mortes no campo de Sobibor.
Sua crueldade era tamanha que chegou a ser conhecido como "o monstro". Gustav Wagner não só viveu quase duas décadas tranquilamente no nosso "país das maravilhas" mas, após ser descoberto, ser entregue à polícia, e ter o testemunho de um judeu que sobreviveu à sua carnificina, "o monstro" saiu livre.
Para quem ficou curioso com o desfecho dessa história, basta dizer que apesar do órgão máximo do judiciário não considerar Gustav um criminoso, alguém discordou tão completamente que o assassinou. Na época a polícia falou em suicídio, mas o documentário mostra que seria muito difícil alguém se esfaquear daquela forma.
Voltando o STF do século XXI, ponho em pauta a falta de legislação sobre atos terroristas no país. Se a tivéssemos, alguns movimentos sociais teriam de responder criminalmente por suas ações e complicariam a agenda de políticos e seus partidos.
Como educar um povo de um país que acredita ser a nação do futuro sem deixar claro o que é certo e o que é errado, sem meio termos? Mostramos insistentemente que a corrupção está em nossa genética e que por aqui as leis parecem corroborar com a teoria da relatividade de Einstein.
Falando em educar... aí está mais uma prova de ato terrorista: o assassinato da língua portuguesa e o sepultamento da educação de base onde 2+2 "é" 5 e dizer os livro() é a forma culturalmente correta de se falar.
Mas esse é um assunto para outro dia...
sexta-feira, 10 de junho de 2011
Entrevista com Frei Chico - irmão do Lula (11/2010)
FREI CHICO
Você sabe que, pensando agora depois de passados tantos anos, a gente não percebe o que fez, a gente começa lembrar e ... puta merda, como é que aconteceu isso? Você sabe que o Lula era uma pessoa tímida, Lula não era o que é. Quando ele chegou aos seus 13, 15 anos o Lula, ele começou realmente a despertar, na minha concepção, um moleque mais atirado, isso no futebol, isso no grupo de amigos. Mas o interessante é que para falar com os outros ele era meio tímido. Não gostava muito disso não. Mas o grupo que o cercava na infância com seus 15, 16, 17 anos aí você percebia que ele tinha uma certa liderança no grupo de moleques que ficava em volta dele. Olhando para trás você começa a ver isso. Agora, a entrada dele na vida sindical, antes política é uma coisa assim meia... não foi fácil, porque tem uma história toda para contar e se fosse contar levaria muito tempo, mas de qualquer forma você vivia, só para ilustrar, você vivia num processo democrático, o povo participava das coisas e tal, aí de repente vem um golpe militar, isso em 1964. Com o golpe militar as liberdades públicas foram para o espaço. Eu já tinha uma atividade sindical, Lula ainda não tinha, eu tinha uma atividade sindical e de repente vi meus companheiros serem presos, os sindicatos que eu frequentava serem “intervidos”, muita gente desapareceu e eu... puta... eu fiquei muito puto da vida porque o que se falava era melhoria para o povo, era um projeto chamado ‘reforma de base’, o projeto do governo João Goulart, era um projeto que atendia necessidades populares, só que era um enfrentamento com orientação americana. E o americano, o governo americano.. eu só quero dizer, quando eu falo americano, não quer dizer o povo americano, mas o governo americano em si, a sua política externa, sempre foi dominação, nós sempre fomos o quintal deles, éramos o quintal deles... e alguns países continuam sendo, a gente hoje pode falar um pouco diferente. De qualquer forma eles dominam economicamente o mundo, dominaram e dominam, mas nesse processo a gente ficou muito bravo com isso, ficou muito puto, eu particularmente que já tinha uma certa convivência com a esquerda. Imagine... revolução cubana, liberdade do imperialismo, você conseguir implantar uma república socialista central né? E era um negócio heróico, era não... é... manter aquilo lá. Havia aquela disputa entre o bloco soviético socialista de hoje comunista, e os capitalistas... de repente vem esse golpe e você fica cerceado das suas liberdades e aí eu começo a militar no sindicato. Primeiro eu perdi o emprego nesse período, fui mandado embora sem direitos, por reivindicar melhorias na empresa que eu trabalhava. Aí vou para o sindicato de São Bernardo, trabalhar numa empresa de São Bernardo e aí o Lula surge... ele trabalhava no grupo Vilares, e aí no sindicato uma vez ou outra ele queria ir no sindicato, mas normalmente colocava obstáculo para ir e eu forçava ele, “oh vamos lá assistir uma assembléia, reivindicação o salarial, eu tô falando aí do anos de 66, 67.. não era coisa fácil não, ir para o sindicato, 68... imagina... Era muito complexo isso, tava havendo muito movimento estudantil, umas greves, houve um movimento operário em Osasco, e outras regiões do Brasil, pouco mas houve.
E aí o Lula vai para o sindicato comigo e aí, em um certo momento, o pessoal precisava que alguém concorresse no sindicato e aí, convencer o Lula a concorrer não foi fácil, participar de uma chapa de sindicato. A nossa sorte é que ele acabou aceitando, mesmo assim, a mulher delem que era a Lourdes na época, não gostava, minha mãe também tinha medo que ele participasse, porque havia toda uma repressão né? Mas ele acabou participando, depois de muito trabalhar, convencer, alguns amigos dele lá, em cima dele..pá.. trabalho de convencimento. Eu como era comunista queria levar os melhores quadros para o sindicato, essa era a orientação da gente, e era importante porque a gente como militante de esquerda não gostava de ver as pessoas alienadas com informações que não eram reais, informações falsas, até hoje tem...tem hora que não dá nem para ler a grande imprensa brasileira, mas faz parte...não tem jeito...rs. E aí ele acaba entrando no sindicato, na chapa da sindicato. Aí tem um passagem muito interessante, um ano e pouco depois que ele tá lá. Que ele vem perder a sua esposa. Numa tragédia de nascer “ela e a criança morta”. Aí o nosso companheiro que era o presidente do sindicato na época, ele fez uma carta à empresa Vilares, reivindicando o Lula, porque ele não era o diretor efetivo, ele era suplente, e aí fez uma carta à empresa de levar ele para o sindicato, para ele ficar na executiva, logicamente que a empresa arcava com salário, não sei qual acordo foi feito. E ele foi para o sindicato até para espairecer um pouco a perda da mulher, foi um choque muito forte, e lá ele acabou não saindo mais do sindicato cara...(apesar de ser uma mulher entrevistando..rs)“As tragédia da vida leva à outras coisa”, e aí conheceu a Marisa que também fazia parte de uma tragédia familiar, quer dizer “é umas coisa” que marcam muito, e marcou muito ele. Aí ele vai para o sindicato, depois vira diretor, depois vem uma outra eleição, ele já entra na executiva do sindicato, um cargo mais importante...
Agora, o interessante disso tudo é que o Lula, desde que ele foi para o sindicato, ele leu muito, ele acompanhava muito, se informava, ele não era um alienado. Ele sofria pressão de um pessoal que não queria que ele ficasse com a esquerda, a esquerda era alguns companheiros do partidão na época e outros grupos de esquerda, com medo que ele fosse para aquele lado e os caras do outro lado que era o Pólo Vidal, junto com outros companheiros que não são de direita, mas que não queriam os comunistas na parada e tal, então ele ficou ali numa disputa, ficou se preparando para não ser um joguete de ninguém, é tanto que ele nunca entrou em partido nenhum. Porque que ele não entrou? Porque ele achava que se ele entrasse naquele momento, seria joguete. Então ele era contra partido... Joguete quando ele fala é que alguém ia influenciar ele, ele ia fazer o que alguém mandava, não o que ele queria, então ele não aceitou entrar em partido nenhum... chegou até a fazer pronunciamento contra partidos políticos e tal, e foi fazendo a carreira dele, aí vocês conhecem um pouco mais na frente o que aconteceu...rs
-Sentiu que ele mudou de alguma forma nos anos de presidência?
Se eu for contar história tem muitos detalhes em cima disso tudo... O Lula foi mudando, é uma dinâmica natural. Por exemplo, como é que o Lula vem, um cara que não queria partido político e de repente constrói um partido? Teve uma passagem durante este período todo, quando ele tava no Japão, a gente foi preso naquela época e o Lula ainda tinha dúvida de se havia uma ditadura no Brasil, ele foi descobrir com a minha prisão, descobrir não... foi sentir que realmente a barra era pesada, porque até então a mídia não falava nada, era tudo censurado, então a informação que você tinha era alguém que falava, ouvi dizer e tal...
Ele foi mudando, veio aí os movimentos sindicais dos anos 80, ele foi preparando o pessoal, quer dizer, o Lula tem essa qualidade, ele foi ele se desenvolvendo, mais alguns companheiros, nunca sozinho logicamente, e aí ele criou condições de começar a surgir movimentos para reivindicar o quê? A aplicação da lei. Que já era grande coisa naquele momento. E aí o Lula acaba criando um partido político. Quando ele viu que não adiantava só o sindicato, tinha que criar um partido, ele mais um grupo de.. eu gosto de falar, ele e mais alguns companheiros, não era só ele...mas ele é incentivador, tava sempre na frente... e nesse partido começa a falar que ele um dia ia ser Presidente da República. Na brincadeira, lógico e tal, foi vindo, criou o partido, porrada para tudo quanto era lado, acusação em cima dele era o que não faltava, é só ler a imprensa da época. E foi sempre batalhando para ser Presidente da República, tomando porrada, lógico, não era fácil. E num certo momento, eles radicalizavam, dava a impressão, quando o PT surgiu, que era um bando, um bando de barbudos, radicais, com propostas que não eram possíveis aplicar no Brasil. A gente tinha medo, eu como vinha do partido comunista, a gente tem uma postura de mais entendimento, de unificação das forças democráticas da época, porque a ditadura existia ainda, e você, para eliminar ela, tinha que ter a aglutinação de todas as forças que pensassem democraticamente que tivesse uma visão de uma sociedade mais democrática. E o Lula foi se adaptando à isso até que em um certo momento, se convenceu de que não adiantava ficar “eu sou Lula, tal...” não, “eu sou Lula mas ó...eu quero fazer isso e tal...”, e foi se unificando com outras pessoas, empresários, outras pessoas da chamada sociedade civil, que não pensava como ele.
Agora, essa habilidade de unificar as pessoas ele sempre teve, viu? Ele, no movimento sindical, ele era uma pessoa muito de olhar nos olhos das pessoas, olhar nos olhos e cumprir palavras e acordos. Isso trouxe um credibilidade grande para ele. E ele foi se construindo, não sei se estou te respondendo a pergunta, ele foi construindo a sua liderança de fato, não era liderança falsa, fictícia... é uma pena, algumas pessoas deviam ver o filme “Lula” que foi tão boicotado por aí mas, tem umas passagens interessante do documentário, sobre a construção do Lula. O Lula não foi fabricado, o Lula é uma liderança de fato. e por siso não conseguiram acabar. Chegaram a criar lideranças paralelo à ele para esvaziá-lo e tal, mas ele foi chegar realmente onde chegou... à presidência, na medida em que ele foi compreendendo isso, eles foram compreendendo do grupo que o cerca, de que era importante unificar as pessoas, não em cima de reformar tudo, mas algumas conquistas para o país, algumas melhorias para o país. Dá para fazer tudo? Não dá! Mas alguma coisa dá para fazer e aí, deu no que deu o Lula. Com todas as porradas que deram, mas ele tá aí, saindo do governo com aprovação de 80 e poucos por cento e isso é muito raro na história da humanidade, mas ainda temos 4 ou 5% que ainda odeia ele, não tenha dúvida.
-Lula mudou no exercício da presidência?
Ele mudou para melhor. É muito difícil falar. Lula entrou na presidência, uma das coisas que a sociedade brasileira, uma parcela da população brasileira, eu gosto de falar muito isso se não as pessoas se ofendem... elas são muito assim, elas vêem uma pessoa entra no cargo público e querer a pessoa beneficie os amigos e parentes e tal. O Lula entrou na presidência da república, os seus irmãos “continua da” mesma vida que tinham antes, quer dizer, não beneficiou nenhum amigo, nenhum parente, logicamente colocou alguém em alguns cargos que tem que nomear, mas mesmo assim andaram falando muita besteira dele... Ele mudou para melhor eu acho, só que é difícil falar do Lula porque tudo que ele faz representa o presidente da república. É difícil você entender isso, a pessoa...
-O presidente Lula já pediu conselhos para o senhor, como irmão mais velho?
Não, o que a gente fez de conversar quando a gente se encontra, sobre alguns problemas gerais da família, porque não tem um problema brasileiro que o Lula não conheça. Ele se cercou de pessoas muito competentes então quando a gente leva ou alguém quiser levar um problema para o Lula e achar que ele não está sabendo, tá enganado. A não ser que seja alguma coisa muito novidade, um surgimento... mas é difícil. Se você vai conversar com o Lula... é interessante isso...por exemplo, quando ele vai na minha casa, logicamente quando ele vai visitar a gente, de vez em quando, clandestinamente, ele visita os irmãos, alguns problemas que tem, eles falam para ele e ele começa a rir porque tem tantas cosias... mas não tem, não tem nada que ele não tenha informação. Esse é um privilégio do Presidente da República. É quando ele está bem cercado logicamente. Todo os problemas que existem ele está bem informado. É claro, tem coisas pequenas que não chegam até ele, logicamente, então alguma atividade de seus ministérios, alguma atividade de uma pessoa ou outra, é impossível... tô falando coisas assim de projetos, essas coisas... por exemplo, é uma coisa complicada, às vezes vejo culpar o Lula de alguma coisa... pô como o cara pode controlar isso? Você indica uma pessoa com responsabilidade e as pessoas quando entram num cargo público, tem que ter responsabilidade. O dinheiro público não pode ser brincadeira não. Pelo menos deveria ser assim, né? E essa preocupação o Lula tem, se alguém fez alguma besteira no governo dele , vai pagar por ela, não tenha dúvida.
-Agradecimento do Lula
Rs... não tem... O agradecimento que ele tem que fazer à mim, que ele fez uma vez tirando sarro era assim “ pô , tive que aprender com um comunista né... que merda...”. É interessante isso, mas não tem isso não. Outro dia eu entrei no gabinete dele uma vez e tava lá esse pessoal que a gente conhece e engraçado que dos ministros que tava lá presente, umas 10 pessoas, tinha mais ou menos 8 que vem de descendência de esquerda, pessoal com passado militar, de uma maneira ou de outra, e eu até brinco “porra cara, ó... a origem toda tá aí, no meu partidão, partidão dos anos 50 ou 60.” Não é bem isso não, mas todas as pessoas, a maioria do pessoal que a gente conheceu realmente passou pelo governo dele, um pessoal enorme, alguns contra né...tem uns caras que viraram contra ele, se acha até ridícula a postura de alguns companheiros, ex-comunistas ou comunistas, de esquerda, mas porque o que a gente pregava e prega, o Lula tentou aplicar, tentou fazer. Não, mas banqueiro ganha muito dinheiro, mas o sistema é capitalista, não tem como não ganhar dinheiro. Se alguém não ganhar, o outro não ganha, não tem jeito.
-O momento mais difícil para Lula na presidência
Olha, o momento mais sério na presidência, que eu acho que ele ficou... mas ele tinha tanta certeza que ele estava imune, que ele falou, “se tiver alguma coisa...” foi naquele momento do mensalão. Porque aquilo não foi uma coisa simples, aquilo foi uma coisa orquestrada, planejada, alguém entrou naquela jogada, e aí os nossos golpistas de plantão... não sei se você concorda... não sei se vocês vão publicar essa matéria, mas nós temos setores na imprensa que ela é golpista, ela joga pelo desgaste da presidência. Nós temos gente na imprensa, na grande imprensa brasileira, que não aceita a independência da visão americana do mundo, nós temos gente na imprensa que ainda... eu até vi outro dia uma conversa, tava numa rodinha, de vez em quando eu frequento umas rodinhas... “o Lula jamais deveria mexer com política externa contrariando os interesses dos Estados Unidos, pô isso não pode cara, eles foram nossos protetores...” Tem gente que ainda pensa assim, pensa assim. Eu vi isso numa roda de pessoas meio importantes aí no pedaço. E nós temos a satisfação de dizer o seguinte: o Lula conseguiu sobreviver ali. Se você observar, teve momentos tristes.
Eu, para mim, como democrata, tentando ser democrata, a gente tenta isso... aquele momento que cai um avião em Manaus, lá no Amazonas, e a nossa principal rede de televisão esconde a notícia às oito horas porque tinha um fato mais importante que era mostrar um monte de dinheiro que veio de “um” possível compra de dossiê e tal... e aí você vê.. é um negócio sem comentário...Mas o povo soube se comportar. Mas eu acho que aqueles momentos onde você faz aquilo você quer atingir uma pessoa que... e o Brasil, nesse contexto o pessoal joga fora, que dizer, o Brasil para eles, sei lá eu,... nós temos uma teoria de que capital não tem pátria, eu também acredito, capital não tem pátria ,quer ganhar dinheiro, mas se nós não tivermos nação, pátria, nós tamos ferrados. O americano não pensa assim. Tanto que eles bajulam e o americano não pensa assim. O americano tem a pátria dele, ele defende. Porque que nós não podemos defender o Brasil? Não sei se vocês observam, desculpe eu estou saindo fora... O Brasil, até outro dia as pessoas tinham vergonha de andar com a bandeira brasileira, você tem uma camisa que tem o símbolo brasileiro, tem pessoas que passavam e diziam “pô,ó aí.. fanático, patriota, bobeira..”. Cara o americano, até a cueca deles tem a bandeira americana, nós aqui não temos. E precisa ter essa prática, defender a sua nacionalidade, isso é fundamental, e o Lula provocou isso, o Lula tá certo nesse caminho. Não fez tudo, mas tá certo.
-Orgulho do irmão
Olha, não tem tamanho, é muito grande, acho que fugiu até ao meu controle de raciocínio a importância do Lula e o que ele fez e onde chegou. Fugiu ao meu controle, a gente não tem sensibilidade de entender o tamanho da coisa. É muito grande. A gente só começa a perceber isso quando conversa com pessoas bem intencionadas, bem informadas, quando você lê sobre o mundo. Agora, no Brasil quando você vai, conhece aquelas famílias que realmente saíram de uma miséria absoluta, de repente encontra perspectiva... Tem uma coisa no mundo... não se acaba a miséria, não se acaba a miséria com pobreza, você tem que começar... por exemplo, outro dia nós estávamos numa discussão sobre como acabar com o excesso de crianças, muita gente e tal, você não elimina a pobreza se você não criar condições das pessoas ter alguma renda e na medida que essas pessoas tem alguma renda ela vai querer comprar mais, é um ciclo vicioso, é do sistema, e a pessoa tendo um pouquinho mais de renda vai querer naturalmente até evitar filhos, ela vai fazer isso, mas para evitar essa... essa discussão é... rs...eu fico entusiasmado com isso porque todo mundo entende isso mas você tem boicote na própria sociedade, a igreja católica, um setor dela, andou boicotando o crescimento... você dava preservativo, imagine não usar preservativo? Tem gente, eu escuto umas pessoas “falar” que o Lula fica dando esmola. Não é esmola não cara. É tentando dar alimentação para um povo que vai se criar e vai ser gente! Ou você prefere as pessoas... eu vejo muito isso em SP, você tem um mendigo aí deitado você passa por cima dele.. que sociedade nós queremos? Fala... é complicado isso. Nisso o Lula começou um processo que não é fácil resolver mas vamos para frente . Eu acho que o Brasil só será grande quando eu puder ter um carro Mercedes e meu vizinho puder ter pelo menos um Gol, aí sim uma sociedade perfeita. Vamos falar em termo de valores econômicos. Por exemplo, eu tenho uma casa, um apartamento, meu vizinho pode ter uma casinha lá também. Enquanto não resolver isso continuamos nos cercando de grade achando que estamos protegidos. Ganha muito dinheiro, não paga salário... Os nossos capitalistas, muitos deles ainda são muito atrasados. Ele tem uma empresa lá com 300, 500 empregados, tem uma puta fortuna acumulada e seus empregados continuam ganhando uma miséria e levando marmita às vezes quando ele podia... redistribuir renda no meu conceito é isso, é dar melhoria de condições de trabalho para aquela pessoa, dar formação, e aí eu vou ganhando dinheiro, mas eu vou dando, distribuindo para os meus empregados, a maioria não quer fazer isso... Não, vou cumprir a lei! A lei é o mínimo, você pode fazer mais.... desculpa.
-Saída Lula
Acho que a saída dele não vai ser fácil, lógico. Você tem uma atividade dinâmica como ele tem, de repente vai sair dela para ficar no cotidiano não vai acontecer isso, ele vai sair,não vai ter a caneta para assinar nada, mas a prática dele vai ser política... é complicado falar isso porque ele não vai parar, só que não vai estar no poder. É uma transição meio difícil para ele. Para mim será bom para ele, sabe porquê? Nos últimos anos o Lula não teve vida. O Lula, nos últimos 30, 40 anos, a vida dele é política, é direto... agora, ele vai deixar a presidência? Vai, chegou no cargo máximo do país, conseguiu tudo que almejava na vida, não de resolver tudo, mas pelo menos fazer a parte dele e aí, de repente, o Lula vai levantar de manhã, tomar o seu café lá e dizer “ e agora, o que eu vou fazer?”. A idade também está chegando, e quando chega a idade a pessoa começa naturalmente a se acomodar um pouco. Lógico que ele vai fazer alguma coisa, vai ter muita coisa que ele vai fazer, tem muita coisa importante para ele fazer, e aí eu acho que ele vai se dedicar a algumas coisas. E não vai deixar de ser consultado porque o Lula será aquela pessoa que se ele quiser viver ganhando muito dinheiro, coisa que não conseguiu fazer até hoje, pode ganhar, cobrando para palestras, cada uma que ele faça... e muita gente vai querer vê-lo fazendo isso e o que é importante logicamente né?
Pois é...é uma frase interessante que alguns babac....puta ia falar um palavrão...rs... Mas alguns babacas ficam “ pô, nesse país, nunca antes nesse país...”, eles não perceberam que nesse país, um metalúrgico... alguns babacas desse planeta...que elegeu o povo brasileiro, o povo democraticamente elegeu um metalúrgico, de origem pobre, humilde, e que não tinha diploma universitário. Pronto. Nunca antes nesse país elegeu-se isso, elegeu-se e pronto. E como é que terminou o mandato do cara? Dando um show em todos os diplomatas que passaram por lá. É isso, ou não é verdade? Mas ainda vai ter gente que vai dizer que ele foi um péssimo presidente, vai fazer o que? Mas isso é uma minoria.
Você sabe que eu enfrento, a gente, os irmãos, sofremos muito com o Lula presidente. Os irmãos, os sobrinhos do Lula... Porque nós ficamos muito manjados, muito assediados, muita gente não compreendeu o cargo do Presidente da República... Acha que o Lula entrou para ajudar e “pô como é que vocês estão aqui? O presidente não ajuda vocês?” Porque esse é um costume brasileiro. Das pessoas se elegerem e usar o poder para beneficiar os parentes, e amigos, e tal... É uma prática de alguns lugares do Brasil, e acharam que o Lula ia fazer a mesma coisa. O nosso benefício que nós ganhamos, que eu me orgulho muito dele, é de ser irmão do presidente da república. Pronto, só tem ele, não tem outro. Agora, a gente foi prejudicado? Foi. Foi muito prejudicado, mas de que jeito Pela não compreensão das pessoas. E de vez em quando as pessoas nos cobram, encontram e nos cobram “pô, vocês não sabem tirar proveito... vocês são isso, vocês foram burro... O presidente tá rico...”
Outro dia, eu estava no banco do Brasil, não sei se posso contar isso para vocês, estava no Banco do Brasil de São Caetano, esperando um talão de cheque, e chegou uma senhora... é duro contar o detalhe, ela deve estar assistindo se vocês passarem isso... ela foi diretora de escola, uma pessoa fina, gente fina, da alta sociedade do ABC, de origem européia, porque tem esse orgulho também... E fez o seguinte comentário:... ela começou até fazendo uns comentários interessantes, de que o Brasil foi saqueado pelos portugueses e espanhóis... e depois ela entrou num papo assim: “Agora tá aí um presidente da república aí ó. Entrou, a família ficou toda podre de rica, ele tá rico, agora ele tá saindo e deixando uma muié tomando conta. Muié que nunca foi presidente, nunca foi nada na vida...”. Aí eu fiquei olhando para ela, o gerente do banco ficou assustado né. Achou que eu ia responder alguma coisa, eu não respondi nada para ela. Fiquei olhando e só disse: “a Sra tem que se informar melhor”. “Não, o Sr, tem que se informar.” Eu nem disse nada para ela. Então esse tipo de coisa tem, as pessoas acreditam em algumas fofocas, algumas mentiras, algumas... desculpe a expressão... tem muito disso,então isso entristece a gente, a desinformação , a desinformação ainda é muito grande no povo brasileiro, e eu acho que a função de vocês da televisão, do rádio, do jornalismo, é tentar informar, e às vezes tem gente que desinforma. Tem notícias safadas, sem vergonha... Teve uma notícia lá sobre a Dilma, no jornal de São Caetano, é um absurdo o cara escrever aquilo mas o cara é pago para escrever aquilo, fazer o quê? Aliás, quero te informar que tenho um filho jornalista e uma filha que está fazendo jornalismo. Puta, eu fico puto mas eu espero que eles tenham outra postura.
Entrevista com Demétrio Magnoli - cientista político (11/2010)
DEMÉTRIO MAGNOLI
-Nunca antes...
A frase é péssima, porque faz com que se acredite que o Brasil começa com o governo Lula, e faz com que se perca a profundidade histórica. Quer dizer, o Brasil é um país com história e não é uma história de fracasso, derrotas e desgraças ou coisa assim, por isso existe uma economia dinâmica, por isso existe um sentido de coesão nacional do país e ausência de conflitos étnicos, conflitos internos, que é uma coisa que pouco se fala mas é muito importante no país, por isso existe uma agenda política consensual desde a redemocratização que é o combate à pobreza, a transferência de recursos para temas sociais... então a frase nunca antes na história deste país é muito mentirosa. As principais e as melhores coisas que o governo Lula fez foram coisas de continuidade, programas de continuidade do que tinha começado antes dele, no governo FHC, antes dele no governo Itamar, e antes dele no momento que se derrubou a ditadura militar. Essa frase é péssima porque ela traz uma idéia de salvacionismo e o salvacionismo é ruim, na democracia não há salvadores da pátria, na democracia a pátria se salva porque ela tem instituições que refletem a vontade popular.
-Lula em 2002 e hoje em 2010
Acho que não mudou muito, acho que há um aspecto muito positivo do governo Lula que é justamente o contrário da frase “Nunca antes”, esse aspecto positivo foi a capacidade de Lula de queimar o que ele adorava e adorar o que ele queimava do ponto de vista da política macro econômica. Então ele pegou o software que tinha sido criado no governo anterior pelo governo FHC , que software é esse? A idéia de câmbio flutuante, de metas de inflação, superávit primário, então é esse software que garante a estabilidade econômica e portanto a possibilidade dos brasileiros progredirem, melhorarem de vida, da economia crescer sem traumas, e ele manteve. Então o principal aspecto positivo do governo é aquilo que desmente a frase permanente de Lula. O aspecto negativo é que ele promove um retrocesso institucional, isso é um pouco surpreendente, não para mim, como um governo baseado no PT acaba fazendo acordo com as políticas mais retrógradas do país, com as antigas oligarquias que estavam sendo, aos poucos, afastadas do núcleo do poder, elas retomam o núcleo do poder em associação com Lula, na base de Lula.
Eu acho que também traz coisas muito negativas do ponto de vista dos conceitos que orientam a nossa política externa, especialmente o desprezo absoluto pela idéia de direitos humanos, liberdade e democracia que são ativos que o Brasil tem no sistema internacional. O Brasil não tem bombas nucleares, o Brasil resolveu não ter bombas nucleares, ainda bem, assim a Argentina também não tem e não nos tornamos a Índia e o Paquistão da América do Sul. No lugar disso o Brasil tem uma constituição com uma série de valores, que são valores muito importantes a defesa da liberdade, da democracia, dos direitos humanos, esses valores seriam um ativo nosso na política internacional, um ativo moral, um ativo de valores, e eles foram sendo desperdiçados ao longo do tempo e hoje precisariam ser recuperados.
- Lula x exterior
Tem dois fenômenos que devem ser destacados: o primeiro fenômeno a eleição de Lula com toda a trajetória pessoal dele, o operário metalúrgico que chega à presidência é em si mesmo, uma confirmação da democracia brasileira e essa confirmação do fato de ser uma sociedade plástica onde o governo não está congelado ele fez muito bem para o Brasil logo no início do governo Lula e vem até hoje, a idéia de que bom, o homem veio de baixo, que passou fome na infância chegou à presidência do Brasil e o país não acaba, não houve colapso institucional, reação de forças conservadoras tentando derrubar ou qualquer coisa assim, então isso fez muito bem para o Brasil do ponto de vista internacional. Isso independe da política de Lula, isso tem a ver com o fato da sua eleição e com a sua trajetória. A outra cosia que fez muito bem para o Brasil, não fez só para o Brasil, fez para todas as chamadas grandes economias emergentes. Vivemos em um ciclo da economia internacional, uma fase da globalização, eu chamo de fase chinesa da globalização, no qual o Brasil surfou numa onda econômica na qual a China liderou, a Índia também surfou, a Rússia, a Turquia e esses países ganharam um peso porque o sistema internacional se modificou, com a retração do poder dos EUA, da Europa, as economias emergentes se tornaram mais importantes e portanto o Brasil se tornou mais importante, não mais do que a Índia se tornou, é o mesmo processo que conduz os dois países. É um processo de mudança que nada tem a ver com a atuação específica de Lula e a ação de governo.
Eu acho, por exemplo, que a ONU precisa de uma reforma no conselho de segurança e que seria razoável que o Brasil tivesse um lugar no conselho de segurança mas eu acho que a campanha insistente do Brasil por um lugar no conselho tem atrapalhado até mesmo essa meta. E não só essa meta mas outros aspectos da nossa política externa que acabam se subordinando à essa obsessão. Muito melhor do que dizer: exigimos, queremos, um lugar no conselho da ONU, é dizer queremos uma reforma no conselho. Quando tiver essa reforma, será razoável que o Brasil seja considerado. São diferenças de ênfase e tem a ver com o fato de que a política externa Brasileira atual está muito obssessionada pela idéia de Brasil potência, que reflete de um lado a visão nacionalista anacrônica, do tempo dos militares, a idéia do Brasil potência, e que reflete por outro lado um terceiro mundismo igualmente anacrônico, então nessa idéia se encontram dois rios. Os dois antiquados do pensamento brasileiro. O rio nacionalista e o rio terceiro mundista. Isso não faz bem para a política externa brasileira e ajuda a explicar a nossa aproximação com regimes que não merecem a parceria com o Brasil e que não contribuem na situação do Brasil no sistema internacional como o próprio Irã, o caso mais evidente. E por isso, em função disso, nos últimos dois anos do governo Lula essa imagem brasileira lá fora começou a piorar, começaram a sair vários artigos em órgãos importantes, de formadores de opinião,na Europa e EUA, dizendo, bom, afinal, qual é a do Brasil? Afinal porque uma aproximação com um regime como o de Mahmoud Ahmadinejad? Afinal, porque dizer que os presos políticos de Cuba são iguais aos presos comuns do Brasil? Qual é o sentido disso? Porque esse operário que na base da democracia chega ao poder começa a falar essas coisas se ele foi perseguido por uma ditadura aqui no Brasil? Essas perguntas hoje aparecem no mundo.
-Caso Irã
Pois é, essa é a versão do Lula porque na realidade o que aconteceu é que a ação brasileira junto com a Turquia produziu um consenso negativo, todas as 5 grandes potências do Conselho de segurança da ONU mais a Alemanha, que estavam ligadas à discussão da questão nuclear do Irã, todas elas rejeitaram de imediato o acordo que o Brasil e a Turquia patrocinaram com o Irã porque aquele acordo só servia para o Irã prosseguir o seu programa nuclear. O acordo foi rejeitado, não existe. Mas o impasse continua. O Brasil precisa tomar cuidado porque tem coisas que as nossas pernas alcançam. As nossas pernas alcançam muito bem a América do Sul, certas partes da África, todas os grandes debates comerciais e econômicos mundiais, mas as nossas pernas não alcançam a paz no oriente médio. Então procurar dar passos imensos como esses faz com que se rasguem as calças e foi isso que foi feito neste acordo, além de criar sérias desconfianças. O Brasil está hoje mais distante de um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU devido à essa ação no caso do Irã.
- Brasil na América Latina
Veja, liderança regional, liderança em geral não é algo que se proclama, é algo que se exerce, então o Brasil comete alguns erros ao proclamar a sua liderança regional. Mas por outro lado, se você olhar para a força de cada um dos atores, o Brasil tem, deveria ter e deve exercer um papel construtivo de liderança na America do Sul e os outros países tendem a aceitar isso quando o Brasil não exagera muito, quando não fica falando muito alto que ele precisa de um lugar no Conselho de Segurança, o que faz a Argentina dizer que não quer. Os outros países tendem a aceitar essa realidade. O que aconteceu nesses 8 anos do governo Lula na America do Sul foi um projeto que não era ideológico de integração regional, ele foi atrapalhado essencialmente pela tentativa de Hugo Chávez de introduzir um projeto antiamericano de unidade da America Latina. Esse projeto de Chávez não é um, projeto de Lula, vamos deixar bem claro, não é verdade que Lula perfila atrás de Hugo Chávez. Mas esse projeto acabou destroçando a possibilidade do Brasil liderar de fato a America do Sul. Então o que aconteceu nos últimos 8 anos, foi muito mais uma fragmentação do que unificação política da America do Sul. Nós tivemos um conjunto de conflitos, impedindo que se fosse adiante com a união da America Do Sul, tanto é assim que a UNASUL é um fracasso, faz reuniões que não conseguem nem produzir documentos minimamente consensuais que digam alguma coisa. Por outro lado o MERCOSUL não consegue andar muito pra frente, isso mais por problemas argentinos do que de brasileiros. Então apesar de toda a retórica de unidade na America do Sul e de liderança regional essas coisas não se realizaram nos últimos 8 anos.
- Nos submetemos?
Depende, eu não sou daqueles que acha que o Brasil deveria ter reagido de uma maneira muito audaciosa a provocações como a provocação da Bolívia. Eu acho que faltou uma nota diplomática acompanhada de uma retirada temporária do embaixador para marcar que a ocupação militar em instalações da Petrobrás na Bolívia era uma provocação inaceitável, por outro lado eu não acho que isso deveria levar o Brasil a rebaixar as suas relações com a Bolívia. O Brasil deve ter boas relações com os seus vizinhos, mais ou menos independentemente do que façam alguns governos maluquinhos em cada momento. Porque o Brasil quer, acima de tudo, a estabilidade regional. Então deve manter boas relações com a Venezuela, com a Bolívia, com o Paraguai mesmo quando Lugo discute o tratado de Itaipu. Sem aceitar provocações infantis como a Boliviana e sem deixar de defender valores, que são valores que estão inscritos, por exemplo, no tratado do MERCOSUL. Os direitos humanos, a democracia, são valores o que Brasil deveria defender sempre na America do Sul. Não se trata de romper relações e brigar com países vizinhos, isso não interessa para o Brasil, nem de passar mão na cabeça de países que violam direitos, que violam liberdades. Agora, nós sempre vamos ter uma turbulência política na America do Sul enquanto a revolução bolivariana estiver crepitando e isso sempre vai ser um problema sério para o Brasil prosseguir com o processo de integração sul-americana.
- Zelaya
Aí não se trata de opiniões conservadoras, se trata do fato de que ali, em Honduras, existia um conflito interno entre facções em um regime de democracia oligárquica. O Brasil não tinha nada que se meter nesse conflito interno a não ser para firmar certas posições consensuais que foi a posição da Organização dos Estados Americanos sobre aquele conflito, mas ele não tinha nada que nada que transformar ou aceitar a transformação da sua embaixada numa plataforma de intervenção nos assuntos internos de Honduras só porque Chávez queria isso. Na verdade aquilo lá foi uma armação de Hugo Chávez que o Brasil aceitou passivamente. Isso é quando o governo Lula e o Itamaraty começam a fazer política externa de olho em facções internas, ou seja a política externa brasileira acaba sendo sequestrada pelo PT, sequestrada por facções internas que querem alguma coisa. Nesse momento o governo pára de representar o país lá fora e começa a representar um grupo, uma tendência e isso é o pior que pode acontecer na política externa brasileira. É quase consensual hoje que o que o Brasil fez em Honduras é o que não se deve fazer em política externa.
-Caixeiro viajante vai deixar saudade no exterior com entrada de Dilma?
Essa questão de vender os produtos brasileiros lá fora foi sempre um discurso utilizado pelo Itamaraty e por Lula para disfarçar uma política de procurar relações com uma série imensa de países no Caribe, na África, em vista de um futuro voto para o Conselho de Segurança da ONU, então o Brasil multiplicou suas embaixadas pelo mundo a fora, aumentou muito o seu corpo diplomático, afagou ditadores, até mesmo no Sudão, em vista do que é essa miragem do futuro voto na assembléia geral da ONU e sempre para explicar essas atitudes para um público interno dizendo que é para vender produtos brasileiros lá fora. Não, vende-se produtos brasileiros lá fora fazendo acordos de comércio e esse foi um grande problema nos últimos oito anos, que já era um problema antes. O Brasil não conseguiu fazer acordos de comércio, e enquanto a rodada comercial multilateral de Doha fracassava e outros países como México, Coréia e Chile faziam uma série de acordos bilaterais de comércio, o que compensa em parte o fracasso da rodada de Doha, o Brasil não conseguiu fazer nenhum acordo comercial ao longo deste período. Se você olhar para comércio exterior do Brasil, cresceu, mas cresceu em números absolutos, em termos relativos a participação do Brasil no comércio mundial continua praticamente a mesma daquela que existia há 10 anos. O Brasil não avançou em participação no comércio mundial. Não é só culpa do governo, existem vários outros problemas aí, mas há uma parte de culpa do governo que é a falta de acordos comerciais.
- Legado de Lula para Dilma
Veja, um primeiro legado importante e positivo é que Lula não procurou o terceiro mandato. Em um determinado momento na America do Sul Chávez procurava instaurar e afinal conseguia a reeleição indefinida. Quando se discutia na Colômbia a possibilidade de mais uma reeleição... Lula tinha um popularidade que o permitiria tentar uma aventura de más consequências para a democracia que é o terceiro mandato, a idéia de reeleição indefinida, ele não tentou. Pode se discutir os motivos, cada um pode ter a sua teoria dos motivos, mas o fato é que não tentou e ao não tentar ele está dizendo, “a democracia brasileira se baseia no conceito da alternância no poder”, o que é uma coisa importante e positiva. O que mais de positivo ele deixa para o governo de Dilma Roussef ? Ele deixa uma série de pilares macroeconômicos que ele recebeu, que se espera que o governo Dilma não atrapalhe isso, continua a respeitar o Software que Lula recebeu de FHC. E que nos custou muito, é o software que conseguiu acabar com a inflação crônica e por aí a fora.
E ele deixa um legado muito negativo, um legado onde a separação entre o Estado e o Governo, ou seja, entre o Estado e o partido ou coalizão política que está governando deixou de ficar clara. Nós andamos perdendo um Estado público, ou seja, um Estado neutro para cada vez mais ficar com um Estado cada vez mais partidarizado, ideologizado. E a outra separação que nós nos arriscamos a perder, e isso é coisa mais recente, é entre a esfera da política e da economia. Nos últimos dois anos do governo Lula, principalmente depois da quebra do Lehman Brothers, e da crise financeira internacional, o governo começou a achar que grandes subsídios a grupos empresariais privados, via BNDES, alianças de empresas estatais e com grupos privados, alianças de fundos de pensão manipulados politicamente pelo Estado com grupos privados, ou seja a criação e uma corriola de grupos empresariais privados que orbitam em torno do poder, aquilo se poderia chamar de capitalismo de Estado, é uma coisa boa. Então essas duas heranças são os nossos dois maiores desafios. Para os próximos anos, o desafio de ter um Estado público, ou seja não partidarizado, e o desafio de ter uma esfera econômica separada de uma esfera política onde o Estado cria regras, fiscaliza, mas não favorece empreendedores, não tem os capitalistas amigos, capitalistas da ante-sala do planalto. Numa democracia a economia não funciona assim, nem a política funciona assim.
-Lulismo
O Lulismo é um fenômeno em processo, ou seja, ele não se completou. Que fenômeno é esse? É o fenômeno da criação de um bloco de poder, que não se restringe a uma coligação de partidos,... mas que além disso envolve atores não partidários. Que atores? Centrais sindicais que passam a ser financiadas pelo Estado, que passam a ser centrais chapa branca, uma elite sindical, um outro ator que participa deste bloco, são movimentos sociais, que se estatizam, ou seja, que são financiados pelo Estado e passam a ser porta-vozes do palácio do planalto e não das suas bases, e um terceiro ator que são empresários favorecidos pelo poder, através de subsídios do BNDES, de alianças com fundos de pensão e com empresas estatais. Então esse bloco de poder que alguns fizeram comparações com o sistema de poder no México do PRI que se chegou a usar a expressão, mexicanização, esse bloco de poder é o que se pode chamar de Lulismo. E ao chamar esse bloco de poder de Lulismo nós temos que dizer que o Lulismo é um fenômeno que não está completo, esse bloco de poder ainda é um bloco muito precário, ele talvez se complete daqui 8 anos, na hipótese que ninguém deixa de levantar da volta de Lula, da volta de São Sebastião.. depois do governo Dilma.
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